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quarta-feira, 2 de junho de 2010

A GUERRA DOS MÉTODOS NA ALFABETIZAÇÃO 

Diante de tantas "falas" vale lerrrrrrrrrrrr
Vicente Martins

O presente artigo responde a quatro perguntas sobre método de
  alfabetização em leitura: (1) O método fônico é o mais eficaz para
alfabetização?(2) Quais as principais diferenças entre o modelo fônico e o
construtivista? (3) Segundo uma pesquisa feita pela revista Veja 60% das
escolas adotam o modelo construtivista para alfabetização dos alunos. Por que
a grande maioria opta por esse método? (4) Quais as vantagens que o
aluno tem ao ser alfabetizado pelo método fônico?
Comecemos pela primeira questão. Há uma guerra dos métodos de
alfabetização em leitura, no Brasil e fora do Brasil, especialmente a Europa,
que, na verdade, dissimula uma outra guerra, de ordem ideológica e
financista, entre especialistas no mundo da lectoescrita. Não é de hoje.
Diríamos que há, pelo menos, um século, discutimos a prevalência de um
método sobre o outro. Ontem, hoje e amanhã, certamente, quem ganha,
claro, terá seus dividendos editoriais e mais prestígio nacional ou
internacional sobre o campo fértil das mídias, que é o da leitura e da
escrita.
No Brasil, nos anos 60, século passo, o educador Paulo Freire, por
exemplo, com seu  método de alfabetização, ganhou notoriedade internacional
por defender a aquisição da leitura além do acesso ao código
lingüístico e de levar o alfabetizado a uma visão crítica, política e politizada
de um mundo do trabalho, do cotidiano, da vida em sociedade,  povoado
de inquietações, aspirações sociais, violências simbólicas, conflitos
de classes sociais e dominado por forças de dominação econômica e
cultural. É um modelo inspirador para os alfabetizadores do século XXI.
A peleja dos métodos de alfabetização está bem polarizada: métodos
fônicos de um lado, do outro, os construtivistas. Os métodos fônicos também
são conhecidos por métodos sintéticos ou fonéticos. Partem das letras
(grafemas) e dos sons (fonemas) para formar, com elas, sílabas,
palavras e depois frases.
São vários modelos de métodos fônicos. Entre eles, o mais antigo e mais
consistente, em termos de pedagogia da alfabetização em leitura, é o
alfabético ou soletração, que consiste em primeiro ensinar as letras que
representam as consoantes e, em seguida, unir as letras-consoantes às
letras-vogais.
Os modelos alfabéticos de alfabetização em leitura, por seu turno,
partem das sílabas para chegar às letras e aos seus sons nos contextos
fonológicos em que aparecem. As cartilhas de ABC, durante muito tempo
encontradas em mercearias ou bodegas ou mesmo mercados, eram o principal
material didático e contavam com a presença forte do alfabetizador que
acreditava que, pelo caminho da repetição das letras e dos seus sons, o
aluno logo chegaria ao mundo da leitura.
Os métodos construtivistas de alfabetização em leitura, também
chamados analíticos ou globais partem das frases que se examinam e se
comparam para, no processo de dedução, o alfabetizando encontrar palavras
idênticas, sílabas parecidas e discriminar os signos gráficos do sistema
alfabético.
A aplicação do método construtivista, na prática, quando aplicado,
tende a ser mais praxiologia do que mesmo método. Por que praxiologia?
Induz à alfabetização, centra-se no alfabetizando e não no alfabetizador,
quando, a rigor, nesse momento, a intervenção do educador se faz
importante uma vez que há necessidade, na alfabetização, de um ensino
sistemático e diretivo para levar o aluno à compreensão do sistema de escrita
da língua. É na alfabetização que o aluno deve construir a consciência
lingüística da leitura.
A tradição de helênica de alfabetização nos leva a considerá-la  uma
importante etapa da educação escolar (embora a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação(LDB),  promulgada, em 1986,  não faça referência a uma
sala específica de alfabetização na educação infantil ou no ensino
fundamental)  como uma iniciação no uso do sistema ortográfico.
Há uma espécie de consenso entre os alfabetizadores de considerar que a
alfabetização é um processo de aquisição dos códigos alfabético e
numérico cujo finalidade última é a de levar o alfabetizado ao letramento e
ao enumeramento, isto é, a adquirir habilidades cognitivas para
desenvolver práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de
material escrito.
Mas como garantir a alfabetização em leitura? Através de métodos ou
estratégias de aprendizagem. Por isso, quando nos reportamos,
historicamnente, aos métodos de alfabetização em leitura, estamos nos referindo,
dentro da longa tradição da alfabetização,  a um conjunto de regras e
princípios normativos que regulam o ensino da leitura. Nos anos 60, a
maioria da população brasileira aprendeu a ler pelo  método da  silabação,
que consiste em ensinar a ler  por meio do aprendizado de sílabas e a
partir delas a formar palavras e frases. A segmentação das sílabas em
fonemas e letras é uma etapa posterior.
Todavia, só o método, em si, não garante a aprendizagem. É importante
a formação do alfabetizador. Sem formação lingüística, o método pode
perder sua eficácia. A alfabetização em leitura é diretamente relacionada
com o sistema de escrita da língua.
No caso das chamadas línguas neolatinas, particularmente o Português e
o Espanhol, o método fônico se torna um imperativo educacional por
conta do próprio sistema lingüístico, isto é, o chamado princípio
alfabético, manifesto na correspondência entre grafemas e fonemas e na
ortografia sônica, mais regular e digamos, assim, mais biunívoca: uma letra
representa um fonema, na maioria dos casos. Como a língua não é perfeita
unívoca – exatamente por é social, construída historicamente pala
comunidade lingüística -  sons como /sê/ ou /gê/ poderão terão várias
representações gráficas, transformando esses casos isolados em contextos
equívocos e que, no fundo, podemos contar nos dedos e que não perturba o
processo de alfabetização.
Com as afirmações acima, já podemos estabelecer algumas diferenças
básicas entre os dois métodos. O fônico, como o próprio nome nos sugere,
favorece o princípio alfabético, a relação grafema-fonema e seu inverso,
isto é, a relação fonema-grafema. Se a escola partir do texto escrito,
no método fônico, estará, assim, enfatizando a relação grafema-fonema.
Se a escola parte da falta do alfabetizando, focalizará, desde logo, a
relação fonema-grafema.
O grande desafio dos docentes ou dos pedagogos da leitura é, tendo
conhecimento de Lingüística e Alfabetização, levar os alunos a entenderem,
ao longo do processo de alfabetização, as noções de fonema e grafema.
Entender, por exemplo, que fonema, som da fala, faz parte do chamado
módulo fonológico, uma herança genética do ser humano.  
Na fase de balbucio, ainda não os sons da fala ainda não  manipulados
pela criança, mas, a partir dos três anos de idade, já considerada
nativa,  a escola pode ensinar ao educando, sistematicamente, o sistema
sonoro da língua, levando-o à consciência fonológica ou fonêmica, de modo
que entendam que o fonema é uma   unidade mínima das línguas naturais no
nível fonêmico, com valor distintivo.
Os investigadores de leitura mostram que o método fônico também é mais
eficiente para as comunidades lingüísticas pobres, ou seja, as camadas
populares com acesso precário aos bens culturais da civilização
letrada. Por que isso ocorre? Graças ao fonema podemos distinguir  morfemas ou
palavras com significados diferentes, todavia próprio fonema  não
possui significado. Em português,  as palavras faca e vaca distinguem-se
apenas pelos primeiros fonemas/f/ e/v/.
Os fonemas não  devem ser confundidos, todavia, com as letras dos
alfabetos, porque estas  frequentemente apresentam imperfeições e não são
uma representação exata do inventário de fonemas de uma língua. As letras
do alfabeto são signos ou sinais gráficos que representam, na
transcrição de uma língua, um fonema ou grupo de fonemas. Como as letras não
dão  conta de todo o sistema de escrita, os lingüistas falam em grafemas
no campo da escrita.
Os grafemas, bastante variados, estão presentes no sistema da escrita
da língua portuguesa. Para a compreensão da escrita alfabética ou
ortografia da língua portuguesa, a noção de grafema se faz necessária uma vez
ser uma unidade de um sistema de escrita que, na escrita alfabética,
corresponde às letras e também a outros sinais distintivos, como o
hífen, o til, sinais de pontuação e os números.
O método global além de não ter funcionado ou vir tendo uma resposta
eficaz no sistema educacional da América Latina, uma vez que não se
presta ao nosso sistema lingüístico, ao contrário do método fônico, que
requer conhecimentos metalingüísticos da fonologia da língua portuguesa, o
global requer dos alunos uma maior carga de memorização lexical.
O método global de alfabetização em leitura peca porque sobrecarrega a
memória dos alfabetizandos quando ainda não estão em processo de
construção do seu léxico, que depende, como nos ensina o sociointeracionismo,
das relações intersubjetivas ou interpessoais e de engajamento
pragmático das crianças no uso social da língua. Numa palavra, diríamos que o
método global depende muito das formas de letramento da sociedade, dos
registros de atos de fala, nos diferentes contextos sociais e culturais
da sociedade, em que a palavra é, assim, o grande paradigma em ponto
de partida da pedagogia da leitura. Para os países desenvolvidos e com
equipamentos sociais à disposição dos alunos, cai como uma luva.
Para os países subdesenvolvimentos, tem se constituído uma lástima e é
deplorável a situação por que passa o Brasil, nos exames nacionais e
internacionais, anunciando o nosso pais como o pior país do mundo em
leitura.Ao contrário do método fônico, o método global não tem um caráter
emancipatório, retarda o ingresso da criança no mundo da leitura.
A partir dos anos 80, no século passado, o Brasil, através de seus
governos, influenciado com os achados da psicogênese da escrita, realmente
uma teoria (e não pedagogia) bastante sedutora em se tratando de
postulações pedagógicas,  adotou o método construtivista para o  sistema
educacional, em particular, o público, a adotar o método construtivista ou
global.  Uma década depois, os resultados pífios do Sistema de
Avaliação da Educação Escolar (convertido,agora, em Prova Brasil) revelaram que
as crianças, depois de oito anos de escolaridade, estavam ainda com
nível crítico de alfabetização, mal sabiam decodificação, isto é,
transformar os signos gráficos(letras) em leitura. Sem leitura, como sabemos,
o aluno não tem estratégia de desenvolvimento de capacidade de aprender
ou de aprendizagem.
Os primeiros seis anos do século XXI já assinalam o  principal desafio
dos governos, estabelecimentos de ensino e docentes, no meio escolar, é
o de levar o aluno ao aprendizado da lectoescrita. O que deveria ser
básico se tornou um desafio aparentemente complexo para os docentes da
educação básica: assegurar, através da leitura, escrita e cálculo, a
aprendizagem escolar.
Por que o domínio básico de lectoescrita se tornou tão desafiador para
o sistema de ensino escolar? Por que ensinar a ler não é tão simples?
Como desvelar o enigma do acesso ao código escrito? Em geral, quando nos
deparamos com as dificuldades de leitura ou de acesso ao código
escrito, esperamos dos especialistas métodos compensatórios para sanar a
dificuldade.
Nenhuma dificuldade se vence com método mirabolante. O melhor caminho,
no caso da leitura, é o entendimento lingüístico, do fenômeno
lingüístico que subjaz ao ato de ler. Ler é ato de soletrar, de decodificar
fonemas representados nas letras, reconhecer as palavras, atribuir-lhes
significados ou sentidos, enfim, ler, realmente, não é tão simples como
julgam alguns leigos.
O primeiro passo, nessa direção, o de ensinar o aluno a  aprender a ler
antes para praticar estratégias de leitura depois,  em outras
palavras, de atuar eficientemente com as dificuldades do acesso ao código
escrito, as chamadas dificuldades leitoras ou dislexias pedagógicas, é
ensinar o aluno a  aprender mais sobre os sons da língua, ou melhor, como a
língua se organiza no âmbito da fala ou da escrita.Quando me refiro à
fala, estou me referindo, sobretudo, aos sons da fala, aos fonemas da
língua: consoantes, vogais e semivogais.
A leitura, em particular, tem sua problemática agravada por conta de
dificuldades de sistematização dos sons da fala por parte da pedagogia ou
metodologia de plantão: afinal, qual o melhor método de leitura? O
fônico ou o global? Como transformar a leitura em uma habilidade
estratégica para o desenvolvimento da capacidade de aprender e de aprendizagem
do aluno?
Assim, um ponto inicial a considerar é a perspectiva que temos de
leitura no âmbito escolar. Como lingüística, acredito que a perspectiva
psicolingüística responde a série de questionamentos sobre o fracasso da
leitura na educação básica. Em geral, os docentes não partem, desde o
primeiro instante de processo de alfabetização escolar, da fala. A fala
recebe um desprezo tremendo da escola e é fácil compreender o porquê: a
escrita é marcador de ascensão social ou de emergência de classe social.

A escrita é ideologicamente apontada como sendo superior a fala. A tal
ponto podemos considerar essa visão reducionista da linguagem, que quem
sabe falar, mas não sabe escrever, na variação culta ou padrão de sua
língua, não tem lugar ao sol, não tem reconhecimento de suas
potencialidades lingüísticas. Claro, a escrita não é superior a fala nem a fala
superior a escrita. Ambas, interdependentes. A alma e o papel, o
pensamento e a linguagem, a fala e a memória, todos esses componentes têm um
papel extraordinário na formação para o leitor proficiente.
1. ABUD, Maria José Millarezi. O ensino da leitura e da escrita na fase
inicial de escolarização. São Paulo: EPU, 1987. (Coleção temas básicos
de educação e ensino)
2. ALLIEND, G. Felipe, CONDEMARÍN, Mabel. Leitura: teoria, avaliação e
desenvolvimento. Tradução de José Cláudio de Almeida Abreu. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1987.
3. BETTELHEIM, Bruno, ZELAN, Karen. Psicanálise da alfabetização.
Tradução de José Luiz Caon. Porto Alegre: Artmed, 1984.
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escolar. Tradução de Ana Paula Castellani. São Paulo: Loyola, 2000.
5. CARDOSO-MARTINS, Cláudia (org.). Consciência fonológica e
alfabetização.Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
6. CARVALHO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. 4ª ed. São Paulo:
Ática, 1999.
7. CASTELLO-PEREIRA, Leda Tessari. Leitura de estudo: ler para aprender
a estudar e estudar para aprender a ler. Campinas, SP: Alinea, 2003.
8. CATACH, Nina (org.). Para uma teoria da língua escrita. Tradução de
Fulvia M. L Moretto e Guacira Marcondes Machado. São Paulo: Ática,
1996.
9. CATANIA, A. Charles. Aprendizagem: comportamento, linguagem e
cognição. 4ª ed. Tradução de Deisy das Graças de Souza. Porto Alegre: Artmed,
1999.
10. CHAPMAN, Robin S. Processos e distúrbios na aquisição da linguagem.
Tradução de Emilia de Oliveira Diehl e Sandra Costa. Porto Alegre:
Artmed, 1996.
11. COHEN, Rachel, GILABERT, Hélène. Descoberta e aprendizagem da
linguagem escrita antes dos 6 anos. Tradução de Clemence Marie Chantal
Jouët-Pastre et ali. São Paulo: Martins Fontes, 1992. (Coleção Psicologia e
Pedagogia)
12. COLL, César, MARCHESI, Álvaro e PALACIOS, Jesús. Desenvolvimento
psicológico e educação: volune 3, transtornos do desenvolvimento e
necessidades educativas especiais. 2 ed. Tradução Fátima Murad. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
13. COLOMER, Teresa, CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender.
Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.
14. CONDEMARÍN, Mabel e MEDINA, Alejandra. A avaliação autêntica: um
meio para melhorar as competências em linguagem e comunicação. Tradução
de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005
15. CONDEMARÍN, Mabel, GALDAMES, Viviana, MEDINA, Alejandra. Oficina da
linguagem: módulos para desenvolver a linguagem oral e escrita. 1ª ed.
Tradução de Marylene Pinto Michael. São Paulo: Moderna, 1999.
Vicente Martins é professor da Universidade Estadual vale do
Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará. E-mail: vicente.martins@uol.com.br

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